Carlos Gonçalves

Beneficiário da AMI no Centro Porta Amiga das Olaias

A AMI entrou na minha vida em 1994 e até hoje faz parte dela, porque precisei de apoio em diferentes momentos. Um dia, um amigo que vivia na rua, como eu, disse: “Carlos abriu uma instituição nova perto do Centro Comercial das Olaias eu fui lá e gostei das condições”. Na época eu precisava de algo tão simples como roupa limpa, um banho quente, uma refeição e tratar dos meus documentos (que tinha perdido), uma palavra amiga.

A minha caminhada tem sido grande, com muitos altos e baixos até sair da rua. É aqui no Centro Porta Amiga das Olaias que venho sempre que preciso de ajuda, é aqui que me sinto bem.

A minha história começou quando fui entregue aos avós com seis meses, porque os meus pais não tinham possibilidade de me criar. Fui criado no bairro da Urmeira, na Pontinha, onde a minha mãe aparecia de vez em quando com presentes, levava-me a passear e depois voltava a deixar-me em casa.

Depois dos meus avós morrerem fui viver com a minha mãe, tinha por volta dos meus catorze anos. Não me identifiquei com a vida em casa da minha mãe, não era aquilo que queria, que procurava e que tinha perdido, ali não me sentia bem. Tinha tudo e fiquei sem nada, depois de uma vida de amor e carinho, onde nada me faltou. A partir daí comecei a ser sem-abrigo.

Para sobreviver na rua comecei a ajudar os vendedores nos mercados, precisava alimentar-me e com esse trabalho tinha acesso a alimentos que não precisavam de forno e fogão, como queijo, pão e frutas. Era assim que me conseguia alimentar de forma honesta, mantendo a minha dignidade e os valores que os meus avós passaram.

Às vezes o sem-abrigo não é acolhido e está simplesmente num estado de grande fraqueza física e, claro, psicológica, por não ter o que comer ou meios para isso, por não ter com quem falar e quem o escute.

Cheguei a dizer às equipas das instituições que distribuíam refeições na rua: às vezes não é só o comer que sabe bem, superior ao comer é um olhar, um sorriso, um aperto de mão, um conselho.

Quando comecei a viver na rua senti um distanciamento que nunca tinha sentido. Estávamos no final da década de 1980, as ruas não eram marcantes como hoje, não havia tantas pessoas sem-abrigo, nem tantos jovens como há agora. Eu era um caso raro. Muitas vezes as pessoas ficavam a olhar para mim, mas por receio e vergonha afastava-me. Andava muito sujo e doente. O frio das ruas e a fome adoeceram-me.

Pousava onde me sentia seguro, num jardim na zona de Benfica, onde construí uma espécie de barraca, ou tenda, com madeiras e lonas. Aquele passou a ser o meu canto.

Aos 27 anos comecei a trabalhar no Centro Porta Amiga das Olaias onde conheci a minha esposa. Queria ter há uns anos o que tenho hoje, porque me fez falta para dar melhores condições de vida à minha família. Começámos a namorar, fomos viver juntos, depois nasceu a nossa filha. Sempre quis construir uma família.

Com as dificuldades financeiras que enfrentávamos não conseguíamos manter uma casa e se continuássemos a andar com a bebé de pensão em pensão a guarda era-nos retirada. A minha esposa também precisava de cuidados de saúde. Decidimos que ela voltaria com a nossa filha para a casa dos seus familiares e eu encontraria um lugar para ficar, que acabou por ser a rua.

Nessa época não existiam instituições como agora, com abertura e disponibilidade para nos apoiar em várias vertentes da nossa vida, como encontrei na AMI.

Passei muitos anos de instabilidade até conseguir equilibrar-me. Vivi muito tempo na rua. Apenas há dois anos mudei a minha vida, quando comecei a trabalhar numa empresa de higiene.

Agora há mais possibilidades de um sem-abrigo mover-se, escolher sair da rua e autonomizar-se, mesmo assim não foi fácil. Depois de 30 anos de rua, como foi o meu caso, se não temos força para optar por uma vida melhor, ter um teto, precisamos sempre de uma mão que puxe por nós, que nos dê força e isso encontrei sempre na AMI.

Às vezes perder e sofrer fortalece-nos, por isso, quando a minha vida melhorou comecei a dedicar uma parte do meu tempo a ajudar quem está a passar pelo mesmo que passei, quando vivi na rua.

Preciso de pouco, se tiver 100 euros e alguém precisar eu dou. Posso ficar sem nada, mas não me importa, porque o mais importante é ajudar alguém, tal como um dia me ajudaram.

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