Tânia Barbosa

Diretora do Departamento Internacional e Administradora da AMI

Tive o privilégio de integrar o Departamento Internacional da AMI há mais de 20 anos, acompanhando ao longo do tempo as diversas missões da AMI, umas em contexto de promoção do desenvolvimento, e outras em ação humanitária de emergência.

As histórias são muitas. Guardo memórias, imagens e momentos que não se contam, apenas se vivem. Umas são muito fortes. Outras demasiado tristes. Algumas são histórias de esperança e outras também de momentos engraçados.

Gosto, sobretudo, de guardar sorrisos, momentos belos, dos meninos em redor com uma alegria e curiosidade à volta da equipa da AMI, pedindo interação, brincadeira, toque. “Blanco, blanco” gritam-nos nas tabancas da Guiné-Bissau, onde a AMI já é bem conhecida.

Mas optei por falar do Bangladesh, país localizado no sul da Ásia, no Golfo de Bengala.

Visitar o Bangladesh é uma aventura. Tenho a sensação que estou a andar num trapézio em que cair ou não será uma questão de sorte. O trânsito é caótico. Fazem-se várias filas de carros, em vários sentidos, mesmo quando o normal seria haver duas faixas, uma para cada lado. Durante as deslocações dentro do país, são, assim vários, os sustos que apanhamos quando os faróis dos carros nos encandeiam os olhos, tornando-se evidente que alguém está na faixa errada. O som de fundo é de buzinas que apitam incessantemente.

As intervenções da AMI no país remontam a 1999. A parceria é longa com a organização DHARA, e incluiu projetos como a construção de um centro materno-infantil que viria a ser depois alargado e convertido em hospital, e de uma segunda estrutura de hospital e instituto de formação em saúde que deverá abrir ao público este ano. A fundadora da DHARA é a Lipika Das Gupta, uma mulher hindu, minoria no país, com garra suficiente para enfrentar os desafios e obstáculos da missão a que se propõe.

O acolhimento pela DHARA na zona de Jessore, sudoeste do país, é feito, por isso, com rituais hindus, que nos trazem flores, dança e oferendas diversas, reconhecendo exageradamente a importância da nossa visita. Sentimo-nos abençoados.

Nesta viagem, qual não foi o nosso espanto ao vermos que até tínhamos sido notícia num jornal local.

Do lado leste do país, o segundo parceiro – a BISAP (Bangladesh Integrated Social Advancement Programme) – trabalha em Chattogram, a segunda maior cidade do Bangladesh. A AMI tem financiado os seus projetos de ajuda aos refugiados Bihari. Os Bihari são um povo apátrida, que vive no Bangladesh há mais de 50 anos, afastado do Paquistão que os recusa receber num país que já foi deles. Em Chattogram, vivem em bairros de lata, com condições de habitabilidade miseráveis.

O maior soco no estômago que levei foi, sem dúvida, a visita a um desses bairros de lata, onde, num prédio com uma estrutura muito precária e telhados a ruir, vivem 5000 refugiados. Cada família de 5, 6 ou 7 elementos ocupa um pequeno quarto, sem água nem instalações sanitárias.

A intervenção da BISAP com o apoio da AMI é feita nos bairros de lata urbanos, que acolhem os refugiados Bihari, com atividades de capacitação das mulheres na área da costura, da formação digital, de forma a prepará-las para o mercado de trabalho.

Nessa mesma viagem, a umas longas horas de estrada de Chattogram, visitámos o campo de refugiados de Cox’s Bazar que recebe refugiados de Myanmar. Aquelas crianças e jovens crescem e vivem fechados naquele “campo-cidade” que é um dos maiores do mundo. Estava um dia muito chuvoso, mas rapidamente se juntou à nossa volta um grupo de crianças que queriam saber de onde nós erámos.

Fizemos também uma visita ao mercado do campo de refugiados, onde se podem comprar legumes, frutas, peixe seco, conservas.

Passados estes anos, continuo a pensar nestas crianças e jovens e a questionar o que o futuro lhes terá trazido.

Nessa viagem, tivemos que fazer 8 voos em pouco mais de 1 semana. Na bagagem trouxe resiliência, tristeza, mas também sentido de dever cumprido.

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